sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Filhos da Corrupção # 03 - Belioxhis



A Praça da Sé é um espaço público localizado na área central da cidade de São Paulo.
Nela localiza-se o monumento marco zero do muni-cípio: sendo que a partir daí contam-se as distâncias de todas as rodovias que partem de São Paulo, e um meio de demarcar o início da numeração das vias públicas paulis-tanas sendo o monumento um meio de fixar uma centrali-dade material na cidade.
Considerada quase um sinônimo para o Centro Ve-lho, a praça é um dos espaços mais conhecidos da cidade e foi palco de muitos eventos importantes para a história do país, como o comício das Diretas Já. O nome deve-se ao fato de a praça ter-se desenvolvido em frente à Sé da capi-tal paulista.
Originalmente conhecida como o Largo da Sé, a Pra-ça desenvolveu-se a partir da construção durante o período colonial da Igreja Matriz do município (substituída pela atual Catedral Metropolitana de São Paulo no século XX) e de uma série de edifícios ao seu redor. No início do sé-culo XX, porém, com a demolição de vários dos edifícios originais e as obras de embelezamento urbano e alterações no sistema viário, a Praça transformou-se e assim perma-neceu até a segunda metade do século.
A atual Praça é resultado de um projeto paisagístico conduzido na década de 1970 por um grupo de profissio-nais da Prefeitura de São Paulo liderados pelo arquiteto José Eduardo de Assis Lefèvre. O Metrô de São Paulo estava construindo uma estação naquele local e era neces-sário demolir todo um quarteirão, alterando radicalmente a praça e necessitado de um novo projeto.
O grupo de arquitetos foi influenciado pelos projetos paisagísticos que estavam sendo feitos naquela época na Costa Oeste dos EUA, caracterizados por um geometrismo rigoroso e pelo domínio do terreno através de um jogo de patamares, espelhos d'água ou fontes e volumes prismáti-cos de terra. Estas características aparecem integralmente no projeto final, o que gerou críticas de alguns especialistas que vêem nos espelhos d'água e no tipo de vegetação utili-zado, um incentivo à permanência de população sem-teto no local.
E era para esses sem-teto que Belioxhis olhava do al-to da Catedral. Ele estava pousado feito uma gárgula sobre a abóboda principal. Pensava consigo mesmo como os seres humanos eram patéticos.
Suas asas de plumas negras estavam bem abertas e secavam de uma fina garoa que ele tinha tomado voando para cá há alguns minutos atrás. No momento o tempo havia aberto e um belo sol brilhava no céu acinzentado de São Paulo. Mesmo com tanta claridade ninguém notava sua presença no monumento. Para Belioxhis isso era natu-ral. Ele só era visto quando queria. Podia andar livremente entre os mundanos e manifestar seus poderes entais sem que fosse notado. Até o momento ele era a única criatura sobrenatural que conhecia. Imaginava que existiam outras, mas não conseguia se lembrar de te-las criado. Comumente ele acabava rindo consigo mesmo por ser um Senhor do Universo tão relapso. Sabia que tudo fazia parte de seu plano genial, mesmo que às vezes não se lembrasse bem do que havia planejado. Mas isso não importava porque sabia que tudo acabaria da forma que ele havia desejado.
Olhou perto da fonte e viu alguns miseráveis lutaram por migalhas de pão com algumas pombas. Ao lado deli-ciou-se com uma cena típica: um pastor pregava em meio à multidão e atraia cada vez mais curiosos. Com bíblia em punho ele gritava palavras de medo e danação. Belioxhis sabia que tanta fé acabaria com alguns convertidos que iriam engrossar a fileiras de contribuintes do pastor. Ele só não se irritou com esse blasfemo que usava seu santo nome em vão porque sua dor de cabeça e olhos semi cerrados de sono não o deixavam pensar direito.
O entai de asas negras e cabelo louro ondulado che-gou a conclusão que sua impossibilidade de dormir vinha do fato de sua mente cósmica estar continuamente geren-ciando o universo, mesmo que de forma inconsciente. E com um universo desse tamanho sua cabeça não tinha muito tempo livre para dormir mesmo. Claro que às vezes ele desmaiava de cansaço e dormia por poucas horas. Esses cochilos costumavam restaurar um pouco de seu animo. Mas ultimamente eles não estavam ajudando porque ao dormir sempre era levado para a África.
Por três vezes seguidas ele sonhou com a cidade de Johanesburgo. Tentava entender o que tinha de tão impor-tante lá e no alto da catedral tentava se decidir se fazia uma pequena viagem até essa cidade. Sabia que enquanto estava manifestado na Terra em sua forma carnal ele devia respeitar algumas leis da física criadas por ele mesmo, portanto não poderia apenas desejar e aparecer no lugar. Deveria bater suas asas e ir até lá. Não que fosse um gran-de problema cruzar um oceano inteiro, ele apenas não tinha se decidido se realmente ia. Na duvida Belioxhis resolveu deixar que seu plano decidisse por ele.
Ele rolou abóboda a baixo e com as asas abertas ele pousou seu corpo magro na escadaria da catedral. Desceu os degraus pisando lentamente com suas havaianas e foi em direção ao Pastor que pregava febrilmente. As pessoas que faziam uma roda em volta do religioso foram dando passagem para Belioxhis sem entender porque o faziam já que não conseguiam vê-lo. O Senhor do Universo foi até o pastor e pegou sua bíblia, que para os olhos de todos sumiu em pleno ar. A maioria não notou, ou fingiu não notar, por estar prestando mais atenção aos discursos do pregador. Mas o Pastor notou sua bíblia sumindo e ficou mudo na hora. Olhou ao redor tentando entender o que havia acontecido. Gotas de desespero escorriam de sua testa e ele preferiu apenas abaixar a cabeça e ir embora daquele lugar.
Com a bíblia na mão Belioxhis observou o pastor ir embora e pensou: Meus servos me intrigam! Humm é, huumm. Oras! Ficam usando meu santo nome em vão, le-vam uma vida de mentiras e ao menor sinal de milagre real saem correndo como ovelhinhas sem fé. Bom, é, humm, he he. Ok. Certo! Vou abrir esse livrinho que cheira sovaco e se a mensagem for cabível eu vou ou não para Johanesburgo. Vejamos...

Mais poderoso do que o estrondo das águas impetuosas, mais poderoso do que as águas do mar, é o SENHOR nas alturas. Salmo 93:4

Belioxhis entendeu a mensagem deixada para ele por ele mesmo. Abriu suas asas e começou a voar rumo a Jo-hanesburgo.


Depois de quase oito horas seguidas de vôo, Belio-xhis estava cansado e com fome. Achava incrível ele ser tão humilde ao ponto de se permitir ter essas sensações tão mundanas. Mas isso fazia parte de suas regras e deveria, afinal, segui-las para dar o exemplo. Essas sensações o forçaram a um breve pouso de descanso em um transatlân-tico de luxo que cruzava o Atlântico. Nele ele pode des-cansar a vontade em uma espreguiçadeira a beira de uma enorme piscina. Aproveitou para saborear alguns cocktails e uma boa pratada de frutos do mar fritos. Seu nível de conforto era tão grande que ele acabou pegando no sono e dormindo algumas horas. Tempo suficiente para sonhar com seus pais mundanos. E isso era uma coisa que Belio-xhis lamentava ter feito a si mesmo: ter tido uma vida in-teira como mundano antes de se tornar entai. Sabia que era parte do plano mesmo assim era um assunto que jamais conversaria com ninguém. O jovem estudante brilhante e obcecado cuja juventude tinha sido absorvida pelo estudo obsessivo da física e cujos sentimentos eram reprimidos o enojava. Era uma imagem de si mesmo que preferia que estivesse morta até mesmo em seu inconsciente. Sabia nesse momento que estava sonhando. Seus sonhos eram sempre lúcidos e ao ver a estação de energia elétrica a sua frente ele ficou feliz. Pois graças ao seu doce beijo de e-nergia calorosa ele tinha se libertado de seu lado mundano. Realmente gostava daquela estação de força e caminhou até ela. Ficou a quatro metros de distância e contemplando a placa vermelha com a pintura de um crânio cruzado por raios ele desejou acordar. Nesse momento ele abriu seus olhos. Em cada um deles uma espiral negra girava sem parar. Com esses olhos ele contemplou as estrelas da noite recém chegada e decidiu que era hora de continuar sua viagem.

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