terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Contos Mitinianos - É hora de voltar

Passos apressados do outro lado da parede, era tudo que nos quatro conseguiamos escutar no comodo escuro onde estavamos amarrados. A única iluminação vinha da luz do corredor que passava pelas frestas da porta. Meus três companheiros estavam assustados e não entendiam porque estavam presos naquele lugar.
-- Acho que seria interessante que cada um dissesse oque estava fazendo antes de acordar nesse lugar - disse o homem que cheirava a cachaça. Pelo seu vulto ele já deve estar entra 33 e 45 anos. Devia ter mulher e filhos, provavelmente aflitos com seu desaparecimento.
-- Ah! Que diferença isso faz seu cachaceiro! - respondeu o rapaz parrudo amarrado na cadeira do meu lado, ele estava claramente em pânico e agia agressivamente como forma de defesa.
-- Faz toda diferença! Ou nenhuma.. bom, apenas tive essa ideia para puxar assunto.
-- Puxar assunto para que? Para ficarmos amigos e depois trocarmos cartões de natal!? Larga mão! Tamo fudido! É coisa dos traficantes da boca rival.. só pode ser.
Enquanto os dois discutiam o quarto individuo chorava bem baixinho. Era uma criança. Uma menina que devia ter entre seus 10 ou 12 anos. Pelo primeiro momento me comovi com a situação. Quero que entendam que poucas coisas são capazes de me fazer ter sentimentos como zelo, carinho ou alegria. Uma delas é a inocencia de uma vida recem começada e ainda não tocada pela podridão corrosiva da sociedade. e do tempo. Mas naquela situação a inocencia da criança estava ameaçada. Ela estava prestes a se tornar adulta pois temia que não fosse mais voltar para seus pais. Temia que fosse morrer. E é como dizem, nos tornamos adultos no momento que descobrimos a morte.
-- E você caladão? Tem algum motivo para estar aqui igual a esse marginal boca suja? - perguntou-me o homem que fedia a fumaça, bebia e perfume barato.
-- Não vejo necessidade de falar nada. A situação não é ruim. Tudo é uma grande brincadeira. Pode ficar calma criança. Logo será levada para os seus pais. Isso é tudo uma grande aventura e tudo vai acabar bem.
-- A vai se fuder cara! tá tentando acalmar a criança praque? Conta a verdade pra ela! A gente vai tudo morrer ou coisa pior.
-- Já sei! Isso deve ser a pegadinha de algum programa de televisão! E por você estar calmo deve fazer parte da produção! Sempre fui contra esse realitys. Sempre achei agressivos demais mesmo!
A criança não suportou o descontrole do cachaceiro e do marginal e começou a chorar mais alto e a soluçar. Esses dois já estavam passando dos limites. Essa situação toda já estava começando a me irritar. Se eu estivesse em minha terra natal tudo seria diferente. Espere, se eu estivesse em casa eu nunca estaria em uma situação dessas mas com certeza coisas parecidas ocorreriam bem debaixo de meu comando. Ah! Esse é um lugar estranho para compreender as coisas. Peço calma a criança mais uma vez desejo que os dois homens sejam levado desse lugar. Desejo o mais forte possível, mas minha vontade não tem muito poder nesse lugar. Alguns minutos depois a porta se abre e nos ofusca por alguns segundos. Tempo suficiente para que três homens usando trajes sociais brancos e aventais pretos entrem e levem o marginal. Enquanto agradeço mentalmente pela gaça escuto eles comentarem coisas do tipo "Esse tem potencial" "Vai durar bastante"
-- Ok! Isso já está indo longe demais! Vou processar seja quem for que esteja por trás disso! Você não perde por esperar amigo! - disse-me o cachaceiro. Minha expressão não muda mas consigo encostar a ponta de meus dedos nas mãos amarradas da menina e tranquiliza-la. Me viro para o homem e pergunto:
-- Está com medo que sua existência chegue ao fim? Porque? Isso é tão ruim?
-- Que papo de retardado é esse meu senhor? Não entendo onde quer chegar, mas sim eu dou muito valor a minha vida!
-- É por isso que bebe tanto? Normalmente as pessoas bebem para esquecer, eu particularmente considero um ato de sucicidio lento.
O homem ficou sem palavras.
Alguns minutos depois a porta se abriu novamente e levaram o senhor. Em toda sua dignidade ele gritou, berrou, chorou e até mesmo teve reações flatulentas. Foi uma cena curiosa de se presenciar.
-- O que vai acontecer com a gente tio? - perguntou-me a menina.
-- Não se preoupe. Nada vai lhe acontecer Ana.
Minha promessa foi vazia como eu e sentia no momento. Como eu poderia garantir a segurança da menina estando tão longe de casa? Esse lugar tinha suas próprias regras. Nesse lugar eu tinha visto o melhor e o pior do ser humano. Visto de uma forma que nunca antes tive a oportunidade. Mas incapaz de promover alguma mudança, incapaz de interferir.
Os três homens voltaram, eu podia sentir o cheiro de sangue em seus aventais. Eu quase não acreditei em minha reação quando pegaram a menina ao inves de mim. Gritei e mandei que me levassem no lugar dela. Gritei Ana com toda força de meu peito. Eu me debati e cai no chão amarrado em minha cadeira. Eu me debatia tentando me soltar. Um dos homens levaram a menina e os ouros dois ficaram para me controlar. E engraçado que em situações dessa lembramos de antigas habilidades. Desloquei meus ossos de forma inconcebivel para eles, me soltei das amarras e os ataques com oque eu tinha disponível. Meu punhos! Queria poder dizer que foi um combate bonito no qual sai vitorioso. mas como já disse estou longe de casa e aqui não passo de um saco de ossos com boas intenções. Acertei um ou dois socos ineficientes e acabei sendo espancado ouvindo frases do tipo: "Espero que gostem de carne moida!" "Esse vai ter que ser entregue aos pedaços, tá muito rebelde"
No final vi a escuridão quando um dos homens me segurou pelo cabelo e cortou minha garganta.
A morte tão procurada enfim tinha sido alcançada. Esperava mais sabe? Esperava ir para algum lugar diferente ou quem sabe me juntar novamente a essencia de meu pai. Bobagem! A própria morte não tem esse luxo. Quando despertei, abri meus olhos tirando rodelas de rabanete deles e vi que eu estava nu, e aos pedaços em cima de uma mesa de jantar, um pé meu estava no prato e uma mulher gorda, uma mão estava em um espeto sendo grelhada em uma lareira. Fragmentado como gado virei minha cabeça para espanto de um velhinho que desmaiou em sua cadeira de rodas, e vi a menina nua amarrada em um mastro de metal no centro de uma outra mesa, as pessoas daquela mesa usavam instrumentos de corte para arrancar nacos de sua carne e saborear ainda fresca a carne inocente. As pesssoas que o faziam agiam com enorme naturalidade, sorriam, brincavam, contavam piadas. Aquelas pessoas eram monstros que nunca tinha visto em minha existência de mais de 62.000 anos.
Olhei para as outras mesas e vi os cadaveres do bebado e do marginal, estavam com um sério problema de falta de carne em seus corpos. O suficiente. Minha mão que estava na lareira fez um gesto e os corpos cadavericos de meus antigos companheiros de carcere se reanimaram. Eu ainda tinha alguns truques que funcionavam nesse mundo e não tive receio em usa-los. Os morto-vivos começaram a atacar os convidados do jantar enquanto eu ia recompondo meu corpo. A cada cadaver novo eu gesticulva e o reanimava. Fazer isso me deixava extremamente exaurido, tanto que me vi obrigado a sentar na cadeira de rodas e ir com ela na mesa da menina. Ao meu redor um cenário belo e correto de mortos punindo os vivos. Sangue epirrava quando os mortos consumiam os vivos. Os "garçons" que não cairam em pânico tentaram lutar mas acabaram mortos. Nem me dei ao trabalho de reanimar seus corpos. Não era mais necessário.
Cheguei na menina, ela estava muito ruim e prestes a morrer em meus braços. Olhei para ela e disse:
-- Não se preocupe Ana, vou me vingar pelo que lhe fizeram!
-- Maaas eu não me chamo Ana.. - gemeu a menina antes de morrer em meus braços.
-- Eu sei - respondi abraçando-a cercado pelos meus novos amigos cadavéricos. Era hora de voltar.

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